“Mais uma vez, irou-se o
Senhor contra Israel. E incitou Davi contra o povo, levando-o a fazer um censo
de Israel e de Judá. ” 2 Samuel 24
“Satanás se levantou contra Israel e incitou Davi a fazer o censo. ‘’ 1 Crônicas 21
Qual é? Deus incitou Davi a fazer o censo, ou foi satanás?
A Bíblia diz uma coisa e depois diz outra completamente
diferente.
O que fazemos com uma contradição dessas? Várias coisas.
Primeiro, um pouco sobre porque o censo pode ser um
problema. Quando você faz um censo, é porque quer saber quantas pessoas tem,
certo? E por que você quer saber isso? Porque isso lhe diz o quão grande você
pode construir o seu exército. Diz com quem você pode e com quem você não pode
guerrear. De maneira prática, você descobre o quão grande você pode construir
seu império.
E por que isso pode ser um problema? Porque essas pessoas
são chamadas para serem diferentes. Elas fazem parte de uma sociedade contrária
às outras. Elas fazem parte de uma tribo que vive na aliança fiel com o seu
Deus, o qual insiste em dizer que pode protege-las e guiá-las. Fazer o censo é uma falta
de confiança.
Em segundo lugar, a parte da contradição.
2 Samuel foi escrito por volta de 600-500 a.C.
1 Crônicas foi escrito por volta de 400-250 a.C.
Assim, 2 Samuel foi escrito antes. Algumas centenas de anos
antes.
A história contada antes diz que foi Deus que o incitou a
fazer, a contada depois diz que foi satanás.
Por que isso é tão interessante?
Porque quanto mais cedo nós estamos na História, mais
veremos as pessoas atribuindo todo tipo de raiva e violência aos seus deuses.
Era assim que as pessoas concebiam os deuses. Eles acreditam que eles eram
vingativos e era necessário oferecer sacrifícios para aplacar a ira. Você pode ler mais sobre isso aqui.
E como explicar esses relatos conflitantes?
Com o tempo, as pessoas evoluíram em suas concepções de
Deus. Elas perceberam que um Deus bom não incitaria alguém a fazer algo ruim.
Então deveria haver alguma outra força o incitando.
E aí é que a ideia de satanás entra.
Mas o que aconteceu no Jardim do Éden?
Nesse relato não se fala claramente de satanás, mas de uma
cobra falante. Era simplesmente muito abstrato ainda.
Então qual é a primeira vez que a palavra “satanás” aparece
na Bíblia?
Aqui em 1 Crônicas 21. E Crônicas não foi escrito até o
exílio, bem mais tarde na história de Israel. A ideia de satanás não emerge até
o fim do Antigo Testamento. Não surgiu até o exílio, época em que os hebreus
haviam experimentado tamanha opressão e sofrimento, distantes de casa e em meio
a uma grande alienação.
Eles se deram conta de que esse Deus dúbio era impossível.
Portanto, não há uma contradição, mas sim uma evolução. Uma
sofisticação da concepção da natureza de Deus e do mal. Eles estão aprendendo
sobre um novo tipo de Deus.
Não é exatamente isso que acontece em toda Bíblia?
Por exemplo, o livro de Levítico. É um livro
revolucionário.
Você deve estar se perguntando: Como essa louca consegue
colocar Levítico e revolucionário na mesma frase?
Pois é, acabei de fazer.
É um livro que começa com extensas (para ser honesta:
chatas) instruções sobre como oferecer sacrifícios. A oferta de cereais, a de
paz, a pelo pecado, e a pela culpa.
Para piorar, versos após versos do que fazer com a gordura,
os lombos, o fígado, o sangue do animal.
Mas, calmaí. Primeiro, o livro começa com o Senhor (e este
nome para Deus está interligado a um Deus que os livra de tudo em que eles
estão subjugados) dizendo a Moisés para dizer ao povo:
Quando você traz uma oferta ao Senhor...
A palavra oferta aqui é a palavra hebraica Corban, que
significa “se aproximar”.
Aproximar-se.
Os deuses naquela época eram tidos como distantes,
individuais, exigentes, impessoais e em constante necessidade de serem
apaziguados.
Mas, tipo, desse Deus você pode se aproximar?
As pessoas não falam de deuses como esse. Elas não concebem
esse tipo de Deus.
Esse Deus é diferente. Você pode se relacionar com Ele. Você
pode se aproximar dele.
E uma das ofertas é chamada oferta de paz. É uma oferta que
você dá porque tem paz com Deus. E uma das instruções do capítulo 7 é que a
carne oferecida deve ser comida, no mesmo dia.
Como se chama isso? Refeição.
Você chegará a esse Deus e então você terá uma refeição
celebrando a paz que tem com Ele.
Em outras palavras, você pode saber onde está esse Deus. Mas
e se você fez uma coisa de errado? Há uma oferta para isso. E se você se sente
culpado? Há uma oferta para isso.
Sim, sim, claro, pessoa moderna. Talvez pareça um pouco
primitivo. Foi há muito tempo.
Vamos direto ao mundo moderno: Por que eles simplesmente
não ignoram todos esses sacrifícios?
Isso teria sido incrível. Não era o que Deus queria?
Anunciar que o sacrifício final já havia sido feito, declarar que o templo será
demolido. Olha só, já estamos mais à frente, né?
Mas como se muda uma consciência inteira formada por
séculos e séculos? Como mudar todo um sistema? Você simplesmente destrói tudo
de uma vez ou adentra na cultura deles, na língua deles, no convívio deles, na
forma de pensar deles, e vai gradualmente introduzindo novas ideias, fazendo
mudanças passo a passo?
Então, Levítico é um passo. Um passo revolucionário para
uma concepção do divino.
E é isso que Paulo quis mostrar quando disse que a lei era
um tutor. É necessário para uma temporada. Mas em seguida, você evolui. Você se
adapta e ganha maturidade. Descobre que algumas coisas já não são mais
necessárias.
E não é esse o caminho para a graça?
A graça é a maioridade do homem. É o nível mais alto que
podemos chegar.
É o nível em que queremos estar.
É a evolução máxima. É onde Deus nos propõe estar desde a
fundação do mundo.
É quando algumas coisas que eram tão importantes perdem a
sua necessidade. É quando entendemos quem é o protagonista.
Mas para chegarmos a essa dispensação, precisamos nos
desapegar de conceitos errados sobre Deus, conceitos retrógrados.
Nosso Deus está à frente. Nós já estamos à frente.
Não há mais tempo de nos deixarmos levar por deuses
primitivos.
Graça é maturidade. E poucos desfrutam dela.
“Deus é um comediante a atuar para uma plateia assustada demais
para rir.’’ (Voltaire)
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