sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A compaixão repugnante


“Então, Pul, rei da Assíria invadiu a terra...”
“Então Tiglate-Pileser veio e deportou as pessoas...”
“Salmanaser, rei da Assíria, marchou contra Samaria e a sitiou...”
- Trechos de 2 Reis 15 e 18
Invadidos.
Deportados.
Sitiados.
Invadir é quando você levanta um exército, marcha para outro país e o toma usando de força e violência.
Deportar é quando você captura habitantes do país que você invadiu e forçosamente os remove das suas casas, empregos, famílias, terras e, em seguida, os leva para longe.
Sitiar é quando você cerca a cidade com o seu exército e separa a cidade das suas fontes de água e comida, de forma que as pessoas fiquem famintas, com sede, sofrendo e morrendo até que elas desistam e se rendam.
Os assírios, com outras palavras, eram maus. Desagradáveis, brutais, violentos, opressivos e faziam a vida dos israelitas miserável. Ano após ano.
É justamente durante essa época da história que surge um homem chamado Jonas. Jonas era uma israelita. E, de acordo com essa história, o Deus de Jonas o manda à grande cidade de Nínive para pregar àquele povo.
E Nínive ficava na... Assíria.
Assíria? Nosso pior inimigo? Esses monstros que fizeram da vida do nosso povo um inferno tantas vezes? Você quer que eu vá para a cidade da besta e faça algo bom para eles? Cada uma.
Jonas não quer nem saber e se dirige ao porto mais próximo, salta em um navio, e vai para a direção exatamente oposta a Nínive.
Claro que ele faz isso.
Você faria também.
Bom, essa história é contada focando na desobediência de Jonas na primeira parte e na segunda parte acaba com a seguinte lição de moral: “Viu o que acontece quando não fazemos o que Deus manda?”
Mas como você imagina que os israelitas ao ouvirem isso reagiram? Eles odiavam os assírios. Será que eles enfatizaram a obediência ou aplaudiram Jonas?
Então, ele fica no barco, uma tempestade vem, e rola uma discussão na tripulação sobre a causa da tempestade, e eles decidem que Jonas é o problema e o jogam no mar. Ele é engolido por um peixe, e lá ele ora a Deus e o peixe o vomita, o vomita em Nínive. Os ninivitas são fantasticamente receptivos à mensagem e, em seguida, a história termina com Jonas tão deprimido que ele quer se matar.
Tem tanta coisa aqui. Por onde eu começo?
Ok, vamos começar pelo ponto que você supõe que uma história de israelitas deve começar categoricamente simples, fazendo a difereça entre o bom e o mau, o certo e errado.
Mas o israelita nessa história, aquele que supostamente segue a Deus, corre na direção oposta a Deus. A palavra usada é fugir. Jonas foge. Em seguida, ele acaba em um barco de marinheiros pagãos que oram.
E enquanto eles estão orando para a tempestade parar, Jonas não ora, ele dorme.
Os marinheiros passam por um processo até descobrir qual era o problema, sendo que Jonas sabia o tempo todo que ele era o problema.
E então, quando ele finalmente chega a Nínive depois de resistir a Deus várias vezes, esses monstros dos assírios estão tão abertos para a mensagem de Deus que o rei ordena que até os animais sejam cobertos de saco.
Esses sacos eram o que você usava enquanto clamava a Deus, ciente dos seus pecados, e pedindo misericórdia. O rei ordena que todos se arrependam e vistam os sacos, incluindo os animais!
Estamos acostumados com um mundo onde vemos as coisas de forma dualista. As pessoas boas e as más, nós e eles.
Mas nessa história, as categorias são todas misturadas e bagunçadas. O israelita, supostamente justo, é, na verdade, preguiçoso e arrogante. Enquanto os pagãos perversos são completamente receptivos à mensagem de Deus para eles.
E então, depois de Jonas ver tudo que aconteceu com os ninivitas, a mudança milagrosa no coração deles, ele está tão chateado que quer morrer.
E ele diz a Deus: Eu sabia que tu eras um Deus misericordioso e compassivo, muito paciente e cheio de amor...
E então, ele acrescenta: Agora, Senhor, tira-me a vida, pois me é melhor morrer do que viver.
Mas que história bizarra.
Uma história em que nenhum personagem faz o que você espera que eles façam. O que levanta alguns questionamentos como: Por que essa história permanece? O que faz as pessoas contarem essa história, acharem relevante e preservá-la?
Em primeiro lugar, essa história é sobre um homem, mas trata-se de uma nação. Jonas não quer ir a Nínive porque os assírios tinham tratado os israelitas horrivelmente. Essa história está fazendo a pergunta:
Será que Jonas pode perdoar os assírios?
Que é: Será que Israel pode perdoar a Assíria?
Bom, a conclusão é que o seu inimigo pode ser mais aberto ao amor de Deus do que você.
E Jonas está com raiva no final. Com raiva da misericórdia, do perdão e do amor de Deus.
Porque, convenhamos, nesse caso, é bem irritante.
Mas isso nos leva a um tema maior. Israel foi chamado para ser luz do mundo, para mostrar o amor redentor de Deus ao mundo (Gn 12).
E eles estavam há anos-luz disso.
Há uma pergunta então que permanece na história de Jonas:
Você pode perdoar o seu pior inimigo e ser um canal através do qual o amor de Deus fluirá em benefício dele?
E isso é mais sobrenatural do que o grande peixe engolir Jonas, ele permanecer lá por 3 dias e ser vomitado em seu destino. Esse também não é o ponto.
É uma pergunta para Jonas, mas é uma pergunta para Israel.
É por isso que o livro não acaba com uma conclusão, ou com um julgamento, ou com uma explicação do que Jonas faz a seguir.
O livro acaba com uma pergunta que Deus tem para Jonas:
Não deveria eu ter compaixão dessa grande cidade?
É uma pergunta para Jonas, mas também para toda audiência. E o autor da pergunta sabe que eles querem responder:
Não.

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